DOUTOR ESTRANHO & DOUTOR DESTINO: TRIUNFO E TORMENTO, DE ROGER STERN, MIKE MIGNOLA E MARK BADGER: SIMBÓLICO, ARQUETÍPICO E PARADOXAL

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Doutor Estranho & Doutor Destino: Triunfo e Tormento de Roger Stern, Mike Mignola e Mark Badger [Panini, 2013]
Doutor Estranho & Doutor Destino: Triunfo e Tormento
Roger Stern, Mike Mignola e Mark Badger
[Panini, 2013]

Doutor Estranho & Doutor Destino: Triunfo e Tormento, a graphic novel escrita por Roger Stern [+], desenhada por Mike Mignola [+] e colorida e arte-finalizada por Mark Badger [+], originalmente publicada em 1989 e que agora a Panini resolveu desencavar, é um gibi de CREDIBILIDADE ARQUETÍPICA.

Acompanhe comigo: a história de Triunfo e Tormento é um TEAM-UP entre o Dr. Destino e o Dr. Estranho que, por culpa de uma CARAMBOLA DO DESTINO se tornam parceiros no resgate da mãe do primeiro, refém de Mefisto. Essa trama é narrada em três partes: as duas primeiras, no entanto, foram uma espécie de PRELÚDIO DUPLO para a terceira, na qual esse ARQUETIPISMO se revela claramente.

A primeira parte funciona como um ex machina de trinta páginas para o problema do EMPARELHAMENTO: teria que tornar crível a parceria doutoral entre o Estranho e o Destino. "Teria" porque não funciona e, de tão desajeitado, quase parece um pedido de desculpas: os dois [e uma pá de outros MAGOS GENÉRICOS descartáveis, com direito a mago-mendigo-hippie e maga-punk, essa sendo a segunda de três oportunidades em que nudez discreta tenta enganar afoitos em acreditar que as exigências maduras do rótulo "graphic novel" estão presentes] disputam o título de MAGO SUPREMO em uma espécie de Copa do Mundo da magia resolvida com base em um jogo de palavras – o equivalente lógico a dar ao ganhador de um grande Show do Milhão o título de pessoa mais inteligente do mundo, abordagem cuja FALÊNCIA LÓGICA é descartada com um críptico "Essa não é a filosofia de Vishanti".


Essa primeira parte só não é pior por causa do traço de Mike Mignola... não, não, peraí, nessa primeira parte o traço do Mignola tá uma droga: talvez para formar um contraponto com a parte final do gibi [que, como vou comentar com mais detalhes depois, é mais abstrata], aqui Mignola usa um traço mais realista e detalhado, menos adequado às suas habilidades, e você vai ficar se perguntando como a sua auto-crítica não lhe obrigou a redesenhar isso:

Alguém chama um ortopedista, por favor.

Mignola também decide, talvez para homenagear Steve Ditko [+] [criador e artista definitivo do Doutor Estranho], dar ênfase à expressão através de gestos manuais [uma característica de Ditko]. Seria uma excelente ideia, não fosse o fato de Mignola não saber desenhar mãos ou pés:

Na verdade, ele parece não entender o funcionamento de "mãos" nem como CONCEITO.

Depois desse início [de trinta páginas], temos a situação posta: Doutor Estranho está obrigado a conceder um desejo para o Doutor Destino, que pede ajuda no resgate de sua mãe [preferiria que o gibi tivesse começado com essa frase, acompanhada de um "não pergunte", mas vamos lá].

É aí que começa a segunda parte do gibi, de quinze páginas: uma recontagem da origem do Doutor Destino, uma narrativa trágica sobre arrogância sendo punida e de sua mãe indo para o Inferno. Ela é contada por um personagem para o Dr. Estranho e isso é uma tendência dentro do gibi, o que dá para ele um jeitão de HISTÓRIA DENTRO DA HISTÓRIA que combina com o seu final CEBOLÍSTICO de planos dentro de planos.

Depois dessas 15 páginas os protagonistas mergulham no Inferno e nós chegamos à razão de ser do gibi, quase que um PASSO A PASSO da jornada de aventura romântica arquetípica, com um jeito melancólico e contemplativo. Você não precisa acreditar em mim, porque isso se revela em diversos aspectos.

Pra começo de conversa: a trama, que pode ser resumida como HERÓIS SALVAM A MÃE DE UM MONSTRO: pra te dar umas referências HISTÓRICO-CULTURAIS e te mostrar como sou culto, pense em São Jorge e o Dragão ou Faerie Queene e, caso não concorde, discuta com meu grande amigo Northrop Frye.

Dois: a arte. Como eu disse antes, na terceira parte ela é muito mais simbólica, o que se traduz em sombras inexplicáveis [no ponto de vista FÍSICO: a função simbólica é evidente] e um demônio que insiste em aparecer no topo de construções piramidais. O detalhismo também some. Melhora brutalmente porque tudo isso favorece mais a Mignola. Mark Badger, arte-finalista e colorista, também ajuda: a colorização da sequência infernal justificaria, por si só, o PAPEL CHIQUE e o logo "graphic novel" na capa.

1] Ou você me diz como todo fogo do Inferno se apagou, ou aceita
o meu comentário sobre SOMBRAS SIMBÓLICAS.
2] Bela composição de página: perceba o movimento nos
três quadrinhos de cima, e como o quarto funciona como plano detalhe.

Mais? Olhe os próprios personagens. O vilão é Mefisto, a versão do universo Marvel para o Diabo. Acho que você pode acreditar em mim quando eu digo que isso é um arquétipo. Nos secundários, nós temos a mãe do Dr. Destino, que corresponde ao arquétipo da mãe sábia com cara de Oráculo místico [referências nerds: a mãe da Mulher Maravilha; a mãe da Raven dos Novos Titãs], e um velho sábio [como Gandalf ou Obi Wan Kenobi].

Faltam os heróis. Sobre o Dr. Estranho, há pouco o que dizer: de UNGIDO E ALTRUÍSTA, é um herói-herói. Doutor Destino, no entanto, dá mais PANO PRA MANGA: você deve ter lido por aí comentários sobre o tratamento ambíguo do personagem nessa história.

Isso está, no entanto, mais no texto da contracapa [assinado pelo Ralph Macchio que não é o Karate Kid] do que na história propriamente dita: o único traço vilanesco de Destino aqui é a arrogância, e isso pode ser muito bem explicado pela sua origem TRÁGICA que exige uma FALHA DE CARÁTER. De resto, é nobreza e auto-sacrifício [aliás, o cara está CRUCIFICADO e ENVOLTO EM FLORES na CAPA do gibi, como você pode sacar rolando a página lá pra cima de novo]: no final, a conclusão é que Destino FEZ O BEM, mas à custa de perder o amor da mãe [SCHUINF], o que nos é dito enquanto o personagem está no TOPO DE UM CASTELO [aliás, pra você que acha que não se pode ficar mais GÓTICO-ROMÂNTICO do que isso: o final da história é narrado por um SÁBIO isolado em uma CAVERNA no TOPO DE UMA MONTANHA].

...lendo poesia. Alemã. Do século XIX.

Se a ambiguidade existe, ela é dada pelo que você espera partindo do que sabe sobre o personagem [Destino, o vilão do Quarteto Fantástico] e não no gibi propriamente dito. Ao menos sobre esse aspecto, Triunfo e Tormento é um exemplo de complexidade nos olhos de quem a vê – e isso acontece logo depois do gibi gastar 30 páginas para montar uma situação artificial para convencer você, LEITOR VERSADO, de que a PARCERIA SUÍÇA que ele propõe é possível. Resolve aí esse paradoxo. [PARA OS FORTES]

                  

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