MEMÓRIA #3


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SOBRE VELHOS E PERVERTIDOS. Ted Widmer entrevistou Robert Crumb para a revista Paris Review, o que envolve certo PRESTÍGIO, #193, de 2010. O homem é uma espécie de Woody Allen que trocou o meia-boquismo pela agressividade -- mantendo, ao mesmo tempo, todas as outras neuroses.

A entrevista parte do lançamento de Gênesis, adaptação de Crumb para o livro bíblico [que foi publicado no Brasil pela Conrad em 2009, meses depois de seu lançamento nos EUA], mas eventualmente passa por toda a carreira de Crumb: do trabalho na fábrica de cartões festivos ao documentário de Terry Zwigoff [Eu pensei que poucas pessoas fossem vê-lo em cinemas artês. Quem diria que seria visto por tantos? Quem diria que a mãe de Aline o veria? Ou os meus parentes de Minnesota? Todos eles me odiaram depois de ter visto o filme].

Sobre Gênesis -- e, incidentalmente, ser um pirado.

Crumb: Eu fiz pelo dinheiro e rapidamente me arrependi. [...] Exigiu muito. Eu dediquei a hq a Aline [sua esposa], porque ela se deu conta já no início que eu não conseguiria terminar a não ser que eu ficasse isolado, então ela me encontrou um lugar para morar nas montanhas. É um negócio chamado gîtes —- uma casa pequena, com uma cozinha pequena. Eu ficava lá semanas.

Entrevistador: Você estava lá como um monge copista.

Crumb: Um monastério teria sido perfeito.

Entrevistador: Você usou uma pena?

Crumb: Usei uma caneta tinteiro.

Entrevistador: Eu estava brincando.

Crumb: [...] Comparo [ter feito a Gênesis] com colocar os trilhos da ferrovia Transiberiana. [...] Não podia acreditar quando cheguei ao último quadrinho. Agora estou com o saco-cheio de tudo aquilo. Não tenho mais negócios com a Bíblia. De volta a desenhar pornografia.

O trabalho de Crumb, em plena transição.

Sobre fazer quadrinhos na adolescência -- e, incidentalmente, ser um pirado.

Quando eu tinha 15 anos, eu e meu irmão fizemos uma espécie de revista imitando a Mad chamada Foo e nós queríamos imprimi-la e vendê-la. [...] Mas nós não conseguíamos fazer com que as pessoas a comprassem, foi arrasador. Nós acabamos indo de porta em porta [...] mentindo para as pessoas, dizendo que era um tema para a aula de artes na escola. Era a única forma de fazer as pessoas comprarem. [... custava] Dez centavos. Nós entregávamos para eles ou eles diriam "deixe-me ver isso", e eles olhavam e perguntavam "o que é isso", "bom, é um gibi que nós desenhamos". "Foo, o que isso significa?", eles não entendiam e não queriam comprar. Algumas pessoas nos interrogavam "tem certeza que esse dinheiro vai para a escola, quem é teu professor?". [...] Mas custava uma de uma moeda, qual é! Dois caras vendendo esse gibi que eles mesmos desenharam, essas pessoas não se importavam merda nenhuma [...]. Fiquei traumatizado com o lado negócio dos quadrinhos. [...] Nós acabamos queimando a maioria [das revistas] no jardim.

Sobre música -- e, incidentalmente, ETC.

Quando eu tinha 17 anos, li um livro, Jazzmen, que foi publicado em 1939. Tinha um capitulo sobre colecionar 78s, o autor falava de bater de porta em porta em bairros negros. Então eu tentei fazer isso em Dover. Fui de porta em porta na parte negra da cidade, pedindo por discos velhos. Foi uma coisa muito corajosa de se fazer, considerando o quão tímido eu era. Consegui discos bons assim. Algumas pessoas que eu visitei moravam em casas velhas, que não estavam pintadas e que não tinham eletricidade. [...] Algumas vezes eles tinham caixas de 75s de baixo do sofá ou da cama. Fiquei conhecido como O Homem dos Discos Velhos.

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