TENTE NÃO SER UM NERD TARJA PRETA POR UM SEGUNDO #21



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Os Irmãos Wachowski [Matrix] e Tom Tykwer [Corra, Lola, Corra] estão adaptando, juntos, o livro Cloud Atlas, de David Mitchell, para o cinema. O filme, que ganhou no Brasil o propício título de A Viagem, é protagonizado por Tom Hanks [e Halle Berry, Susan Sarandon, Jim Broadbent, Hugh Grant e Hugo Weaving], que interpreta seis personagens diferentes, cada um em um tempo histórico -- incluindo um futuro apocalíptico.

É meio complicado de explicar: Aleksandar Hemon precisou de oito páginas para fazê-lo na revista New Yorker. As pretensões de Hemon também não permitiriam nada menor: a matéria também repassa a biografia dos Wachowski, além de explicar os desdobramentos da tumultuada produção do filme.

Até Matrix [ponto a partir do qual eu presumo que você conheça o andar da carruagem], a vida dos Wachowskis transcorria nos seguintes termos:

No ensino médio, Larry e Andy começaram um negócio de pintura de casas para ganhar dinheiro para a universidade. (A sua única experiência prévia era um grupo de super-heróis que pintaram na porta da garagem de uma tia). Larry tomou um empréstimo e foi a Bard, mas abandonou o curso depois de alguns anos. "Pensei que os professores tinham que ser muito mais espertos do que eu para justificar o empréstimo", Lana me falou, "mas alguns deles não leram metade dos livros que eu tinha lido". Ele se mudou para Portlando, Oregon, para escrever [...]. Depois que Andy abandonou o Emerson College no segundo ano, os irmãos se reuniram em Chicago, onde eles formaram uma empresa de construção, aprendendo a maior parte das habilidades necessárias no trabalho. Uma vez eles construíram o vão de um elevador sem qualquer planta ou experiência prévia, projetando apenas uma confiança inquestionável nas pessoas que contrataram eles -- uma habilidade útil para se ter na indústria do cinema.

Parece ótimo.
...
Durante todo esse tempo, os Wachowskis continuaram escrevendo: no início dos 90, Larry foi a Nova Iorque para bater na porta das editoras de quadrinhos. Conseguiu fazer com que a Marvel Comics contratasse a ele e a Andy para escrever a série "Ectokid", desenhada por Steve Skroce. Os irmãos também trabalharam em roteiros próprios. "Carnivore", o seu primeiro roteiro completo -- no qual um sopão alimenta os pobres picando pessoas ricas e cozinhando elas em um bife viciante -- foi enviado para dez endereços, selecionados da agenda de um agente. Dois agentes se ofecereceram para serem contratados pelos irmãos. No final, eles fecharam com Lawrence Mattis, que agora é o seu manager. Hoje em dia, mencionar "Carnivore" -- que nunca virou um filme -- faz os Wachowski sorrirem [...].

O produtor de filmes blockbuster Dino de Laurentiis comprou o próximo roteiro dos Wachowskis, "Assassinos", enquanto eles estavam reformando a casa de seus pais. De Laurentiis entreteve eles com champagne e histórias lascivas sobre belas atrizes, e então vendeu o roteiro para a Warner Bros. por cinco vezes o que ele tinha pago. De acordo com Lana, uma revisão profunda por um escritor contratado retirou "todo o subtexto, as metáforas visuais... a idéia de que dentro do nosso mundo existem bolsões morais que operam de forma diferente". Quando o filme ficou pronto, em 1995 (dirigido por Richard Donner, de "Máquina Mortífera", e estrelando Sylvester Stallone, Antonio Banderas, e Julianne Moore), os Wachowskis tentaram retirar  os seus nomes dos créditos, mas não conseguiram. Mesmo assim, o roteiro deu a eles um acordo com a Warner Bros. Eles terminaram a casa dos pais, saíram do ramo da construção e se transformaram em cineastas em tempo integral.

Matrix 2 foi o caos: atores morreram, outros foram vítimas de um atentado terrorista. E Larry Wachowski...

Em duas imagens,
detonei a carreira dos caras.
Ao mesmo tempo, Larry, que se separou de sua esposa, estava sofrendo com depressão e lidando com o seu gênero. Durante a produção, ele falou para Andy que o motivo pelo qual ele nadava na praia todas as manhãs, em vez de na piscina, era que ele meio que torcia para ser atropelado por um barco ou atacado por um tubarão. "Durante anos, eu não podia nem falar as palavras 'transgênero' ou 'transexual", Lana me falou. "Quando eu comecei a admiti-lo para mim mesmo, eu sabia que ia ter que falar para os meus pais e meu irmão e minhas irmãos. [...] Desenvolvi um plano com o meu psicólogo. Levaria três anos, talvez cinco. Em duas semanas, minha mãe ligou".

O resto você pode imaginar -- só que não:

[...] Lana terminou o seu divórcio e conheceu e se apaixonou pela mulher que se tornou a sua segunda esposa em 2009. "Eu escolhi mudar o meu exterior para aproximá-lo do meu interior", ela me falou. "Meu maior medo era perder a minha família. Quando eles me aceitaram, todo o resto foi fácil. Eu sei que muitas pessoas estão morrendo de vontade de saber se eu tenho uma vagina cirurgicamente construída ou não, mas eu prefiro manter essa informação entre minha esposa e eu".

Como isso aqui não é o NEW FRONTIERS-LAVADEIRAS, também há o que ser dito sobre o filme propriamente dito:

Hanks leu o roteiro, mas não o livro. "O roteiro não era amistoso", ele me falou. [...] Mas ele estava interessado em trabalhar com os diretores e intrigado pelo desafio de interpretar seis papéis diferentes em um filme. Hanks estava no meio da leitura de "Moby Dick", e os cineastas sentaram com ele e iniciaram uma conversa sobre a obra prima de Melville. Lana apontou para um pôster de "2001: Uma Odisséia no ESpaço", que estava pendurado na parede do escritório de Hanks, e disse "Moby-Dick e aquilo -- isso é o que nós queremos fazer". "Estou dentro", disse Hanks. "Quando nós começamos?". Lembrando dessa reunião, Hanks me falou que o que mais impressionou ele é que os Wachowskis "não tinham vergonha de dizer 'nós fazemos arte!".

Arrã. Sei. Pra fechar, uma corneteada obrigatória:

Em março, Wachowskis e Tykwer voaram para Los Angeles para mostrar um corte de 175 minutos do filme para executivos da Warner Bros. [...] Um pequeno grupo [...] se reuniu para a exibição matutina. Os diretores estavam nervosos, não apenas porque muito dependia da reação do estúdio, mas porque executivos de Hollywood não são a audiência ideal. Se você está tentando fazer algo rebelde e original, ternos devem ter problemas para gostar e entender o seu trabalho. Os diretores apresentaram o filme, e então deixaram a sala de exibição. Quando o filme acabou, os executivos buscaram eles em um escritório próximo e passaram a aplaudir de forma espontânea.

...noutras palavras: conforme o próprio Hemon, ou o filme não é "rebelde e original", ou ele não entende pessoas de "terno". Aposto nesse último.

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