* * * *
Stan Lee, Roy Thomas, Archie Goodwin e Gene Colan
[Marvel, 2006]
O Homem de
Ferro não é o trabalho mais marcante de Gene Colan na Marvel da Era de Prata --
Daredevil e Tomb of Dracula, discutivelmente o Dr.
Estranho, estão na frente. O que diz muito sobre Gene Colan: em dois anos,
entre Tales of Suspense #73 [janeiro de 1966] e Iron Man #1 [maio de 1968], o
artista se tornou um dos principais desenhistas do personagem -- a armadura do
período, amarela, vermelha e cheia de círculos [aí do lado, na capa do gibi],
por exemplo, é A Armadura Clássica do Homem de Ferro. E como ele fez tudo isso?
A resposta curta é SENDO MUITO MESTRE. A longa: com uma proposta estética que
dava para uma versão turbinada da espetacularidade que você espera de uma
aventura de super-heróis uma CASCA realista.
Essa proposta
escorre de todos os elementos do gibi. De cara, pode ser percebida nos próprios
desenhos de Colan. O seu traço tem um quê realista: as figuras humanas e as
expressões faciais não são caricatas como as de Steve Ditko e Jack Kirby, a
iluminação não atende [apenas] à necessidade dramática, existe uma preocupação
com a textura e o caimento das roupas [perceba que os tecidos tem dobras e
sombras e se comportam, bom, como tecidos], as armas, os carros e os prédios,
foram desenhados com o aparente auxílio de referências fotográficas, etc.
Ao mesmo tempo, a maioria dos quadrinhos [especialmente nas
cenas de ação] tem algum elemento em primeiríssimo plano, muitas vezes uma mão
ou um pé, em uma perspectiva forçada que distorce a anatomia dos personagens. Cenas
comuns tem o seu ritmo subitamente acelerado, o enquadramento favorece ângulos
inusitados e inclinados e a composição de página é irregular [ainda que, com o
passar do tempo, se torne mais repetitiva e os quadrinhos passem a ter quase
sempre ângulos retos]. A armadura do Homem de Ferro tem plugues e medidores que
parecem os de uma máquina de verdade -- só que feita de borracha:
| FUNK DO HOMEM DE LATA | 
Compare, por exemplo, esses dois quadrinhos, um de Giacoia e
outro de Jack Abel [os dois principais colaboradores de Colan nessas histórias].
Perceba como a arte-final de Abel [à esquerda] é muito mais detalhista, hachurada e completa [e o resultado, mais estático], enquanto que, no quadrinho de Giacoia, o Homem de Titânio quase desaparece por trás das linhas de impacto:
Esse realismo espetacular também pode ser visto na trama.
Estruturalmente analisadas, as histórias desenhadas por Colan são quase
idênticas: surge um vilão, o Homem de Ferro tem que derrotá-lo. É uma aventura
heroica reduzida à sua essência: o confronto se justifica quase que por si só,
a motivação dos vilões é anedótica [com freqüência, vingança por uma derrota
anterior] e eles são apresentados quase que como forças da natureza.
Como pintar isso com realismo? Bom, em primeiro lugar,
desmitificando um pouco o heroísmo: o Homem de Ferro passa 3/4 do tempo
rastejando pelo chão, com os “transistores” detonados. Dois: o texto, ou algum
detalhe na arte, nos informa que aqueles vilões que mais parecem montanhas são
robôs high-tech. O dragão de Tales of Suspense #79, por exemplo, é um
SUBMARINO:
E três: a vibe INTRINGA INTERNACIONAL. A maioria dos vilões
enfrentados pelo Homem de Ferro é comunista: temos agentes soviéticos [o Homem
de Titânio], chineses [Mandarim, ainda que, como o seu próprio nome indica, ele
não esteja alinhado com o governo chinês e o Partidão], cubanos [Crusher] e
vietnamitas [Half-face]. Só que é um COMUNISMO ESTÉTICO e apenas NOMINAL: está
lá para dar realismo à aventura, da mesma forma que a origem tecnológica de
Ultimo, o robô forjado no interior de um VULCÃO.
| EVIDENTEMENTE. NÉ. | 
Half-face, o “Tony Stark vermelho”, ilustra isso
perfeitamente: a esperança vietnamita na forma de engenheiro armamentista, ele
está protegido por um exercito de roupas e armas fidedignas... dentro de um
CASTELO EUROPEU MEDIEVAL no meio da FLORESTA DO VIETNAM, onde ele é uma espécie
de versão atualizada do Dr. Silvana.
Outro exemplo: o senador Byrd, a sua comissão e o seu
objetivo de estatizar a armadura do Homem de Ferro. É uma subtrama que tem por
objetivo reforçar o realismo da história, tanto pela sua sonoridade “mundo
real” [o splash-page de abertura de Tales of Suspense #84, com um Tony Stark
rodeado de microfones, é eloqüente nesse sentido], quanto por destacar a
fragilidade [anti-heróica] do Homem de Ferro [e, consequentemente, o “realismo”
do personagem].
| COERÊNCIA GEOGRÁFICA. O CONTRÁRIO DE.  | 
A ligeireza que evidencia o seu caráter acessório se vê no
desdobramento e na resolução: Stark decide entregar-se em Tales of Suspense #81
já que “ninguém tem o direito de desafiar os desejos do seu governo” [um bom
exemplo de como o confronto comunismo x Estados Unidos é apenas nominal]. No
fim, o senador Byrd reconhece em um quadrinho que a comissão era desnecessária
e desaparece para nunca mais voltar.
Não é a única subtrama que se presta para dar determinada
característica à história. Lee/Colan também fazem isso com o triângulo amoroso
formado por Happy Hogan, Tony Stark e Pepper Potts. Só que o objetivo aqui não
é reforçar apenas o realismo, mas também o lado romântico: por um lado, o
triângulo serve de FUNDAMENTO para uma história de dor de cotovelo
[anti-heróica] de Tony Stark [combinado com apelo ao BAIXO VENTRE IMPÚBERE: o homem PASSA O RODO, mas com censura livre]; por outro, TRIÂNGULO AMOROSO. De novo, o seu
papel é acessório: assim que Potts se decide por Hogan [e temos a história dor
de cotovelo], o casal desaparece.
Mas me desvio. Olhe para essa página:
É a quarta página de Tales of Suspense #93: o Homem de
Ferro, ladeado por um helicóptero de combate, chega ao Vietnã. Pense em que
como Kirby teria desenhado exatamente a mesma coisa [se você for pouco
criativo, olhe para Tales to Astonish #82, que faz parte desse mesmo Essential].
Gene Colan e Stan Lee trabalharam juntos com o personagem por dois anos [até
Tales of Suspense #98; a edição seguinte, além de Iron Man #1, foi roteirizada
por Archie Goodwin, que operou conforme as suas próprias regras]. Pegue essa
sua página mental, compare com essa aí de cima, e você vai entender exatamente
o que eles quiseram fazer. [PARA OS FORTES]
Nenhum comentário:
Postar um comentário