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A primeira vez que eu vi a edição da Panini de Holy Terror –
Terror Sagrado, a vilipendiada resposta de Frank Miller [+] para os ataques
terroristas de 11 de setembro de 2001, foi em uma das estantes da Multiverso
Comic Con, a convenção de nerdismo porto-alegrense. Ao meu lado, alguém
expressou a sua inequívoca incredulidade através de um sonoro "não acredito que
eles tiveram coragem". "Eles", no caso, eram os editores da Panini, como se publicar um dos
últimos [e mais polêmicos] gibis de um dos principais artistas do gênero fosse algum tipo de
JOGADA EDITORIAL INVEROSSÍMIL.
É uma anedota ilustrativa: Holy Terror é um gibi ACUADO.
Parte do problema é a temática controversa [fica frio, é um eufemismo], que o
coloca em um PONTO CEGO: o nerdismo super-heróico mais ADIPOSO odeia
iniciativas controversas; e o apego do mundo da ARTE CHIC VANGUARDISTA acolhe
apenas a dirigida a alvos específicos, politicamente corretos [COF COF BANKSY
COF COF], aos quais Miller não apontou o seu RANGER DE DENTES. E parte é
porque, bom, Holy Terror dedica grande parte de suas páginas a parecer que foi
feito em cinco minutos.
Não vou ser eu a desatar o PRIMEIRO NÓ: isso aqui é um BLOGUE
SOBRE GIBIS e o meu interesse agora mesmo é o lado GIBI ESTÉTICO da coisa. E, quanto a isso, te
digo: existe um MÉTODO.
Holy Terror é um EXERCÍCIO DE ESTILO, como, aliás, grande
parte da obra de Miller pós-Sin City [o primeiro, retro-batizado de The Hard
Goodbye]. E o estilo exercido é MEIO PUNK, MEIO ARTÊ e 100% CONTUNDÊNCIA.
Esperar que o gibi fosse sutil e arrazoado é o mesmo que exigir que uma música
dos Ramones seja reflexiva e ponderada.
É uma comparação que tem as suas limitações, já que a tosquice dos Ramones, ainda que bem recebida, era resultado de suas próprias limitações. Para manter a metáfora musical, pense na cuidadosa desafinação de Sonic Youth: Holy Terror também é conceitual. A sua SUJIDADE e a sua cara de rascunho são PLANEJADAS. Perceba:
Hodie, caritatem vestra Cras, orbem |
É uma comparação que tem as suas limitações, já que a tosquice dos Ramones, ainda que bem recebida, era resultado de suas próprias limitações. Para manter a metáfora musical, pense na cuidadosa desafinação de Sonic Youth: Holy Terror também é conceitual. A sua SUJIDADE e a sua cara de rascunho são PLANEJADAS. Perceba:
O gibi está recheado de páginas como essas [a segunda das quais, a propósito, é INCRÍVEL]. São splash-pages sujos, manchados, abstratos, tentando emular o que seria um gibi feito pelo cruzamento de Jack Kirby [+] e Jackson Pollock, distribuído através de um zine xerocado. Ao mesmo tempo, essas páginas ARTÊS convivem com outras assim:
Quando você lê por aí que Holy Terror parece ter sido feito
nas coxas, a pessoa está pensando em páginas como essa aí. E ela tem razão – EM
PARTE. As páginas nas quais Miller não despejou umas trezentas TÉCNICAS DE
SUJAMENTO foram desenhadas como se as mãos de Miller funcionassem em duas
velocidades: "rápido" e "mais rápido". O que só traduz o RITMO FEBRIL da produção, algo que é quase uma característica do Miller. Pra ficar no seu gibi mais famoso, o igualmente acelerado Cavaleiro das Trevas:
Abstraia a colorização. |
Se a arte de Holy Terror oscila entre os modos "veloz e furiosa" e "pintura moderna furiosa", o fiapo que faz o papel de trama cumpre, apenas, o primeiro papel: é impossível descrevê-lo com mais complexidade do
que "os mocinhos vão lá e PUMBA", sendo que o que une uma coisa à outra em algum momento da história é SOLETRADO. Holy Terror não tem uma trama com nuances ou qualquer grau de complexidade. Tem um FIO que serve pra Miller costurar suas idiossincrasias com a estética que LHE APRAZ, de forma especialmente mau-humorada [aliás: o senso de humor de Frank Miller é péssimo].
O
quadrinista sempre foi uma espécie de LIBERTÁRIO ICONOCLASTA apaixonado por
ÜBER-HOMENS. Pense em Sin City, onde todo policial, padre e
político é corrupto e pervertido, em Cavaleiro das Trevas, protagonizado por um
Batman bigger-than-life que forja o seu próprio padrão de moralidade e em 300, com
a camaradagem tribal espartana.
Agora, pensa em Holy Terror. O Censor é uma versão do
Batman, não do Capitão América, que não mantém vinculação perceptível com
qualquer instituição [religiosa ou patriótica] e que tem um padrão de
moralidade bastante peculiar. A ênfase da conseqüência do ataque terrorista que
dispara o gibi é dada através do desaparecimento do rosto de uma infinidade de
indivíduos: a preocupação do Censor é com a cidade e com seus vizinhos. As
figuras de autoridade não são lá retratadas de uma forma muito lisonjeira: o "Gordon" de Terror
Sagrado se revela um bigodudo acovardado, enquanto que o ataque não teria sido
possível sem a participação de um comissário de polícia corrupto [como nos é
didaticamente explicado pelo Censor].
A dinâmica da relação entre o Censor e a Gatuna [a pseudo-Mulher
Gato] também segue contornos característicos da obra de Miller. A DANÇA DE
ACASALAMENTO que abre o gibi lembra aquela da Mulher Maravilha e do Super-Homem
em Cavaleiro das Trevas 2 – e que mais parece um DUELO. A Gatuna, a
Mulher Maravilha, a esposa de Leônidas, ou as prostitutas de Sin City,
pra manter a metáfora do MUNDO ANIMAL, são FÊMEAS ALFAS. O que o protagonista vê nela são HABILIDADES NO COMBATE e conquistá-las
significa PROVAR-SE. Provavelmente há UIVOS entre os quadrinhos.
Se grande parte de Holy Terror é tipicamente Milleriana, o gibi também resgatou algo que é tipicamente QUADRINÍSTICO: os gibis de super-heróis americanos tem um histórico como fantasia de escape para jovens que abordavam problemas sérios com base no deboche violento e, digamos assim, insensato.
É a VIBE que Holy Terror pretende evocar: rápida, direta e furiosa -- só que não debochada.
A pressa e o relaxamento não são resultado de preguiça ou equívoco, mas de um
projeto estético coerente. Que a polêmica persista, mas no FRAME MENTAL
adequado. [PARA OS FORTES]
5 comentários:
Excelente resenha. Já estava na pilha de pegar este livro, a despeito de todas as críticas pré-existentes, e sua análise franca me fez reforçar esta vontade.
Obrigado!
O furor das críticas pré-existentes foi o que me motivou: era muita paulada em um Miller só pra ser desconsiderado.
Se tu for comprar, recomendo o site do Ponto Frio: tá trinta reais por lá.
Até a próxima!
parece muito bacana mesmo! já estou comprando. ótima resenha!
rapaz, não sei por que porra eu não conhecia seu blog (ou site ou qualquer coisa aí, sei lá). suas resenhas são foda e essa de holy terror aí fugiu do lenga-lenga que se ouve por aí. siga isso que tá massa!
rafael b., valeu!
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