RESENHISMO PARA OS FORTES [#1]


The New Teen Titans Omnibus vol. 1
Marv Wolfman e George Pérez

Antes, durante o ano de 1997, alguns números de os Novos Titãs caíram em minhas mãos. Na época, tinha lido muito pouco [e da parte ruim, posso afirmar em perspectiva], mas guardava em grande estima, os X-Men de Chris Claremont. Achei a revista dos Titãs em um sebo, que servia de ambiente de teste para uma experiência científica que buscava averiguar quantos ÁCAROS um ser humano consegue absorver antes de entrar em colapso. Por conhecer o evidente paralelo entre as duas coisas [super-grupos, adolescentes, o jeito novelesco, o roteirista perpétuo em uma ladainha argumentativa que se estendia por décadas], decidi levá-lo para uma estante mais limpinha.

A atração que aquele gibi dos Titãs [de Marv Wolfman e Tom Grummet] me causou, depois de lido, é facilmente explicável: todos os pontos fortes dos X-Men do Claremont que eu conhecia estavam lá – só que mais. Era mais coerente [tanto no roteiro, Claremont nunca se constrangeu em deixar cabos soltos, fora a multiplicidade de títulos mutantes, quanto na arte, X-Men era um festival de fill-ins] e, principalmente, mais acessível [via revistas dos Novos Titãs às toneladas em sebos; nas bancas, o que havia de mais próximo era a própria série dos X-Men – a encargo, no entanto, de Scott Lobdell, e se tem alguma coisa da qual eu posso me orgulhar é de sempre ter visto nele o que ele é: uma fraude].

O que é mais difícil de explicar é como aquilo virou uma obsessão: eu carregava uma lista dos gibis que me faltavam na carteira [quem nunca fez isso? Não respondam!] e a parte mais rabiscada era a dos Titãs [a pesar de serem revistas facilmente encontráveis, era difícil estabelecer uma ordem naquilo: a publicação de os Novos Titãs, até mesmo nos EUA, foi pautada por um esforço aparentemente consciente de não fazer o menor sentido]. Comprei muitos gibis, que li e reli e por um tempo tudo foi bom. Nunca consegui completar a coleção.




Trigon: Melhor Drag Queen '81,
categoria Diabólica Interdimensional
Depois, eu descobri que, no início da década de 80, a DC estava em um atoleiro – a crise era tão forte que Jim Shooter, então editor da Marvel, calculou comprar a Distinta Concorrência e incorporá-la à editora, em um negócio que naufragou por motivos não o suficientemente bem explicados pela LITERATURA NÉRDICA. O motivo da pindaba era simples: os gibis da editora vendiam menos do que pilhas alcalinas em uma comunidade Amish.

De um futuro nefasto a editora se salvou precisamente por causa de Marv Wolfman e George Pérez, que pegaram para criar a série dos Novos Titãs. Apesar do fracasso da versão da série [o conceito cretino de super-grupo de sidekicks era tratado, bem, de forma cretina: pra começo de conversa, Wonder Girl, que passava por sidekick da Mulher Maravilha, foi incluída na série original sem existir na cronologia do personagem principal, sem que ninguém sequer se preocupasse em explicar de onde ela veio e por que nunca tinha sido mencionada], cancelada anos antes, os dois transformaram os Novos Novos Titãs [aos três personagens já existentes, Robin, Wonder Girl e Changeling, foram acrescidos os recém criados Ciborg, Starfire e Raven] em um sucesso espetacular de vendas – vendia o dobro do que a série da Legião de Super-Heróis [até então a mais vendida de toda a linha da DC] e o quádruplo de qualquer outro título da editora. 

Esses eram os momentos que fermentavam no meu DIENCÉFALO quando eu decidi comprar o vol. 1 do New Teen Titans Omnibus: precisava de por quês, descobrir o que eu vi e o que era visto. E pelo menos nesse tijolo [basicamente as 20 primeiras edições da série original e mais 4 números de uma minissérie com os personagens], a resposta é clara: os Novos Titãs me viciaram, e venderam toneladas, porque foram cuidadosamente calculados para fazer exatamente isso.
Literalmente existe uma fórmula.
Um quartel em forma de "T" é um 
de seus principais componentes.
A preocupação de Marv Wolfman era encaixar peças para fazer uma máquina de produzir roteiros funcionais. Starfire, uma dos personagens que integra o grupo e que foi criada na oportunidade, surgiu por que ele precisava de um personagem feminino guerreiro, que servisse de contraponto ao “pacifismo” de Raven, características que encontravam o seu ponto médio em Wonder Girl. Ciborg, por que contar histórias em um ambiente urbano pode ser útil – e ele não quer fechar essa porta [Wonder Girl, por sua vez, possibilita histórias mitológicas].

Você pode fazer isso com todos os personagens: Kid Flash [o sidekick do... Flash] foi afastado do grupo não por ser um personagem fraco, mas por inviabilizar as cenas de batalha [ele poderia ganhá-las todas, sempre, sozinho]; Raven, e eu não estou inventando isso, por que eles precisavam de um personagem místico. Robin, um líder. Changeling, um alívio cômico.

Dramatismo:
ataques de raiva...
Se isso parece uma fórmula, é por um bom motivo: é uma fórmula. Marv Wolfman [que não era exatamente um principiante: o seu primeiro trabalho foi para a DC em 1968, com 22 anos] criou personagens a partir de elementos pré-determinados e escolhidos de acordo com a sua funcionalidade. E, nesse sentido, é uma fórmula que deu certo: perceba como esses personagens todos não foram embora e conseguiram se viabilizar, trinta anos depois, em um desenho animado com base na mesma lógica.

Postas as peças, e sabendo que se tratava de uma engrenagem que tinha por público alvo adolescentes, o funcionamento foi azeitado com base em [a] dramas pessoais; [b] uma tensão sexual ingênua, mas evidente. Exatamente como na tua adolescência [supondo que você fosse uma drama-queen], tudo é intenso, dramático e fugaz.

  ...e crises de choro.       
No primeiro grande arco, conhecido como A Saga de Trigon, uma jovem engravida de um demônio [confusa e sozinha, acabou em uma seita satânica], Trigon. Apaixonada [Por. Um. Demônio.], foi abandonada [QUEM DIRIA], decidiu pelo suicídio. Foi adotada por integrantes de uma religião pacifista terráquea que vive em outra dimensão, que ajudaria a criar a criança [Raven] de forma a domesticar o seu lado demônio. Compare isso com o roteiro de alguma novela mexicana e me diga: alguma vez a Talia interpretou a filha de uma suicida com O DEMO

Isso não é a exceção, mas a regra: todos os vilões da série são m-a-u-s, traiçoeiros e cruéis. De Trigon, literalmente chamado de “o mal encarnado”, passando pelo super-grupo de vilões auto-intitulado Fearsome Five [Quinteto Sinistro, na insuperável tradução brasileira] e chegando na má influência à qual Ciborg, então um garoto do guetto, foi exposto – um ladrão meia-boca que virou um supremacista racial que queria explodir a ONU em um atentado terrorista.

Quanto à tensão sexual, Starfire [ser uma bombshell é um traço definidor de sua personalidade] e Robin tem uma espécie de romance. Kid Flash e Raven, outro, só que mal-resolvido. Changeling não para de contar vantagem sobre as suas proezas românticas, etc.  O Aqualad não foi incluído na formação, mas o grupo tem uma predileção especial por se reunir ao redor de uma piscina. Wolfman contou, ainda, com a ajuda de George Pérez, uma espécie de Adam Hughes latino.

Talvez ele não seja muito sutil.
Não apenas por isso, Pérez é uma escolha certa para o lápis da série. Talvez o primeiro desenhista fanboy dos quadrinhos americanos [não por nada: auto-ditada, fez toda a sua carreira no gênero], a sua narrativa é voltada para a ação e tem na dinâmica uma das maiores virtudes [de fato, se a Pérez se pode fazer um elogio é à sua consistência narrativa]. Cada quadrinho inclui os costumeiros um milhão de detalhes [como um bloco de madeira compensada]. Como nem tudo são flores, a perspectiva nos planos inclinados e nas cenas que envolvem vôo é atroz – o mais claro defeito, junto com a sua incomparável breguice para o design de alguns personagens [a exceção é Raven, talvez o melhor de sua vida].


Some perspectiva ruim...
... e hiper-detalhismo e
narrativa heroica.
...design ruim
[deuses gregos ou
orgia hippie?]...
Talvez o melhor lugar para The New Teen Titans Omnibus vol. 1 [a edição merece a restrição de ter a lombada colada, e não costurada, um erro brutal se tratando de um gibi de quase 700 páginas] seja ao lado dos livros de Scott Turow, apenas o suficientemente longe para separar a temática "drama judicial" por "adolescentes super-poderosos". E dobrando o drama. E talvez o maior mérito das histórias seja ter salvo a DC da quebra -- com personagens adolescentes derivativos dos medalhões da editora, reunidos em um novelão cuidadosamente planejado: lembre-se disso da próxima vez que você ler Watchmen, Monstro do Pântano, Cavaleiro das Trevas e Ano Um e pensar nas perversidades da indústria do copyright.

É certo, no entanto, que o meu vol. 2 [lançado em abril] está a caminho. Pode ser por que eu sou um verme, por que não existem motivos errados para se gostar de um gibi [nostalgia, de qualquer forma, não seria o pior deles] ou por que, no final das contas, sempre resta a esperança de que eu fosse mais inteligente do que essas histórias me fazem parecer e algo realmente estivesse lá.

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